Vamos refletir...
A conceção desta narrativa e a construção do recurso digital foi para nós um desafio que nos levou a efetuar constantes reformulações, de forma a adaptarmos a nossa HMS à realidade dos nossos alunos. A mesma também teve em consideração as indicações dos conteúdos temáticos fornecidos como sugestão de leitura pela Professora. Como tal, para além deste trabalho ter sido muito prazeroso e construtivo, o mesmo também impulsionou-nos para uma constante pesquisa o que permitiu dar uma resposta mais precisa.
A escolha deste tema prendeu-se com o nosso gosto por explorar histórias, rimas, lengalengas, poemas e adequar aos nossos contextos educativos. Todas concordamos que o conto de histórias é um recurso transdisciplinar, pois através dele conseguimos abordar conteúdos de várias áreas. Foi enriquecedor podermos explorar este tema de outra forma tendo em conta as faixas etárias onde estamos inseridas, respondendo sempre às necessidades das crianças enquanto parte de um grupo, como a nível individual.
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Nas nossas salas temos meninos com necessidades educativas específicas, no entanto, não temos alunos com multideficiência (MD). Porém, devido à dinamização do recurso por nós construído, tivemos a oportunidade de contactar com crianças com diferentes diagnósticos e idades, permitindo uma diversidade de experiências como contadoras de histórias.
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A criação da nossa história foi um processo inovador e apelativo, que necessitou de ponderação, procurando responder às necessidades das crianças que tiveram oportunidade de explorar o nosso recurso. Para estas crianças com MD não é de todo fácil visualizar o mundo que nos rodeia, devido às suas comorbilidades, podendo estas histórias facilitar nesse processo.
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O nosso objetivo inicial foi construir uma história simples e atrativa com diversidade de estímulos sensoriais. A escolha do nosso tema teve em conta uma experiência que queríamos transmitir “fazer um piquenique” e ao mesmo tempo vivenciar situações, envolvendo e fazendo sorrir o nosso “público”, transportando-os para um espaço diferente com o qual muitos, possivelmente, ainda não contactaram. No futuro será fundamental conhecermos os interesses específicos dos intervenientes e ir ao encontro às suas necessidades e gostos, para construir uma narrativa estruturada e que seja adequada às crianças e aos jovens a que se destina.
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Aquando da elaboração e construção da nossa HMS foi importante estar cientes dos possíveis problemas e resolvê-los de forma eficaz. Embora as HMS sejam altamente benéficas para os alunos com NEE, podem surgir alguns desafios ou problemas, para quem as constrói. Por exemplo, pessoas com transtorno de processamento sensorial podem experimentar uma sobrecarga quando expostas a uma variedade de estímulos. É crucial considerar e respeitar cuidadosamente as preferências e sensibilidades individuais ao criar e transmitir histórias multissensoriais.
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Conceber e implementar HMS requer tempo, recursos e preparação. É importante planear adequadamente, estar atento e ao mesmo tempo procurar proporcionar experiências sensoriais significativas. Para tal, elaboramos um Storyboard, tendo o mesmo sido reajustado ao longo da sua conceção, de forma a adequar-se o melhor possível. Posteriormente pesquisamos materiais que fossem ao encontro do plano delineado. Nesta pesquisa tivemos de rever algumas ideias por serem de difícil concretização. A escolha dos materiais a ser utilizados, as suas funcionalidades, adaptações, os recursos comunicativos presentes e a narrativa da história foi testada de forma a ser funcional, não esquecendo o ponto de vista da criança e a experiência que ela iria vivenciar. Enfrentar estes desafios envolveu um plano cuidadoso, com uma perspetiva de avaliação contínua das possíveis respostas e necessidades das crianças, criando uma experiência de HMS positiva e eficaz para todos.
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O momento mais importante e gratificante para todas nós, foi sem dúvida pôr em prática a nossa história. No entanto, um narrador de HMS é muito mais do que um leitor de uma história para crianças, assume um papel desafiador não só pela dinâmica muito própria, mas também pelas singularidades do público-alvo.
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O resultado desta prática, deve-se à investigação do tema, à preparação antecipada, e caso seja possível ao conhecimento prévio dos participantes na dinamização da mesma.
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É fulcral garantir a inclusão e acessibilidade de todos os participantes. Cada indivíduo é único e para nós constituiu um compromisso em criar uma HMS que envolvesse e apoiasse efetivamente um grupo diversificado de pessoas com necessidades educativas específicas. Apercebemo-nos ainda de ser necessário a utilização de estratégias de comunicação apropriadas, incluindo suportes visuais, sistemas de comunicação aumentativos e alternativos ou linguagem simplificada, para melhorar a compreensão e o envolvimento dos alunos. A dinamização destas histórias é tão importante como a história em si, “a palavra falada do contador da história é o elo de ligação entre o “ouvinte” e os objetos que lhe são mostrados” (Nunes & Miguel, 2020. p.31). A forma como expomos a narrativa, a entoação que empregamos e a troca de turnos através da possibilidade da criança participar e se envolver mais na história, faz com que ela se sinta dentro da ação da narrativa, como por exemplo, num simples gesto de acionar o botão de comunicação/digitalizador de voz.
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A nossa intervenção incidiu em duas crianças com MD, uma com 3 e outra com 10 anos; um menino com trissomia 21 com 11 anos; um menino com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) de 3 anos e um grupo de crianças com 2 anos com comportamentos típicos. Após contarmos a nossa história, a mesma provocou reações diferentes, mas bastante positivas conforme cada criança. Por exemplo, a criança de 3 anos com MD adorou o cantar do pássaro de água, sorrindo enquanto a sua melodia perdurava; a criança com 10 anos com MD teve um comportamento mais tranquilo do que o expectável pelas professoras de educação especial (do Centro de Apoio à Aprendizagem) e foi com grande satisfação que comeu o bolo e gostou de observar e tocar na boneca que representava a mãe, na história; o menino com trissomia 21, com 11 anos experimentou os objetos de forma mais independente, porque é bastante autónomo; a criança com PEA de 3 anos, explorou de forma diferente, geralmente de pé e com algumas pausas no decorrer do conto, fixando-se na bola presente na narrativa; já o grupo de crianças com 2 anos, conseguiu manter o foco durante a história, sempre com um olhar atento e à espera do que iria acontecer, o bolo e os botões de comunicação assumiram uma maior atenção por parte do grupo. Todas as reações aquando e após a leitura foram muito válidas. Por isso é que a HMS são um recurso tão inclusivo e completo.
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As HMS são essenciais pois conseguem incentivar as habilidades de escuta e resposta, bem como fornecer um espaço seguro, evitando que as crianças se sintam nervosas com situações desconhecidas. Desenvolvem ainda competências da literacia, tais como, a capacidade de antecipar acontecimentos e expressar gostos, bem como aguardar pela sua vez.
"(...) estas histórias contribuem para a literacia, para enriquecer o currículo destes alunos e para proporcionar-lhes momentos repletos de significado e prazer". (Preece e MA, 2014, citado por Miguel, 2015, p.21).
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Segundo Nunes e Miguel (2017) “é inquestionável” o direito das crianças com MD “à educação e o acesso à participação em atividades de caráter lúdico e social”, para tal “precisam de ambientes que promovam o seu desenvolvimento e aprendizagem” sendo imprescindível “a sua inclusão na escola e na comunidade.” (p. 29)
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Terminamos esta intervenção com a certeza da importância que este recurso assume na vida de todas as crianças e principalmente para aquelas em que a clareza do mundo necessita de um suporte físico e sensorial de forma a levar um pouco do meio até junto de si.